"― Pode-se dizer muito sobre uma pessoa por seus pés ― refletiu. ― Há homens que entram aqui sorridentes, às gargalhadas, de sapatos bem limpos e escovados e meias cheias de talco. Mas, quando tiram os sapatos, os pés têm um cheiro pavoroso. São pessoas que escondem coisas. Têm segredos malcheirosos e procuram ocultá-los, assim como tentam esconder os pés ―Virou-se para me olhar e prosseguiu. ― Mas nunca funciona. A única maneira de impedir que os pés cheirem mal é arejá-los um pouco. O mesmo pode ocorrer com os segredos. Disso eu não entendo, porém. Só entendo de calçados.

Começou a examinar o amontoado de coisas em sua bancada.

― Alguns desses rapazes da corte chegam abanando o rosto e reclamando da última tragédia. Mas têm pés todos rosados e macios. Logo se vê que nunca foram a lugar nenhum sozinhos. Percebe-se que nunca foram realmente feridos.

Finalmente encontrou o que procurava e segurou um par de sapatos semelhante ao que eu estava usando.

― Aqui estão. Estes eram do meu Jacob quando ele tinha a sua idade. Sentou-se em seu banquinho e desatou os cadarços do par que estava em meus pés. ― Já você ― prosseguiu ― tem solas velhas para um mocinho tão jovem: cicatrizes, calos. Pés como esses poderiam correr descalços pelas pedras o dia inteiro sem precisar de sapatos. Só há um modo de um menino da sua idade ficar com os pés assim.

Levantou os olhos para me fitar, transformando a observação numa pergunta. Assenti com a cabeça. Ele sorriu e pôs a mão em meu ombro.

― E esses, como estão?

Levantei-me para testá-los. No mínimo, eram ainda mais confortáveis do que o par mais novo, por estarem meio amaciados.

― Pois bem, este par é novo ― disse o homem, balançando os sapatos que segurava. ― Ainda não foi usado nem por dois quilômetros, e por sapatos novos como estes eu cobro um talento, talvez um talento e dois ― informou. Apontou para meus pés. ― Esses aí, por outro lado, são usados, e não vendo sapatos usados.

Virou-me as costas e começou a arrumar sua bancada meio ao acaso, cantarolando baixinho. Levei um segundo para reconhecer a canção: Saia da cidade, latoeiro.

Eu sabia que ele estava tentando me fazer um favor e, poucos dias antes, teria ficado radiante com a oportunidade de ganhar sapatos de graça. Mas, por alguma razão, aquilo não me pareceu correto. Recolhi minhas coisas em silêncio e deixei um par de iotas de cobre em seu banquinho antes de sair.

Por quê? Porque o orgulho é uma coisa estranha, e porque a generosidade merece ser retribuída com generosidade. Mas foi sobretudo por me parecer a coisa certa, e essa é uma razão suficiente."

Fragmento do livro "O Nome do Vento", de Patrick Rothfuss, páginas 204 à 205.

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1 comentários:

Annie Mucelini disse...

Que trecho lindo! Deu vontade de ler o resto do livro...

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